Poucos movimentos são tão emblemáticos e desafiadores no Balé Clássico quanto os fouettés en tournant. Este movimento, que combina força, precisão e graça, tornou-se um verdadeiro marco nas performances clássicas, simbolizando o auge da técnica e do virtuosismo de uma bailarina.
A palavra "fouetté" deriva do francês e significa "chicoteado", uma referência ao movimento rápido e enérgico da perna durante a execução do passo. Embora a terminologia do balé tenha sido formalizada na França durante o século XVIII, foi no final do século XIX que os fouettés ganharam destaque e se consolidaram como um dos passos mais desafiadores do balé clássico.
Em 1893, durante a apresentação do balé Cinderela, a bailarina italiana Pierina Legnani surpreendeu o público ao executar, pela primeira vez, 32 fouettés consecutivos na coda do grand pas de deux. O historiador Konstantin Skalkovsky, crítico de dança do St. Petersburg Diário, relatou que Legnani realizou 32 fouettés sem sair do lugar, encantando o público que aplaudiu entusiasticamente pedindo bis, o que a obrigou a repetir o feito. Na repetição, ela realizou 28 fouettés. Apesar da menor quantidade, ainda continuava a ser um grande feito, visto que antes desse dia, o número máximo de fouettés realizados por uma bailarina havia sido 14. Esse feito não apenas elevou o padrão técnico exigido das bailarinas, mas também estabeleceu os 32 fouettés como um momento culminante em muitos balés de repertório.
Depois do sucesso em Cinderela, Pierina Legnani repetiu seu feito impressionante ao executar os 32 fouettés em O Lago dos Cisnes. Foi ela, aliás, a primeira bailarina a interpretar sozinha o papel duplo de Odette e Odile — antes disso, era comum que duas bailarinas dividissem os papéis. Sua atuação trouxe ainda mais força à ilusão que engana o Príncipe Siegfried, tornando mais convincente a confusão entre a princesa-cisne e sua rival.
Dentro da narrativa do balé, Odile se vale dos fouettés para seduzir e enfeitiçar Siegfried, levando-o a jurar amor a ela no lugar de Odette. Há quem argumente que O Lago dos Cisnes é, na verdade, o único balé em que a execução dos 32 fouettés se justifica plenamente dentro da dramaturgia, pois a sequência simboliza a astúcia da vilã ao manipular o protagonista. De qualquer forma, depois da interpretação de Pierina, a coda desse Grand Pas de Deux se consolidou como um dos momentos mais eletrizantes e aguardados pelo público.
Curiosamente, Pierina Legnani também entrou para a história como a primeira bailarina a receber o prestigioso título de Prima Ballerina Assoluta, uma honra reservada a pouquíssimas artistas. E, para tornar sua conquista ainda mais grandiosa, o título lhe foi concedido pelo próprio Marius Petipá. Um feito e tanto: pioneira nos fouettés, primeira a interpretar sozinha Odette-Odile e ainda homenageada por um dos maiores mestres do balé clássico!
A Física por Trás dos Fouettés
A execução dos fouettés envolve princípios físicos fundamentais, especialmente relacionados à conservação do momento angular. Ao iniciar o movimento, a bailarina utiliza o plié para gerar impulso, enquanto a perna de trabalho "chicoteia" para o lado, criando o torque necessário para a rotação. Durante os giros, a posição dos braços e da perna em retiré influencia diretamente a velocidade e o equilíbrio. Manter os braços próximos ao corpo reduz o momento de inércia, permitindo giros mais rápidos, enquanto a abertura dos braços pode ajudar a controlar e estabilizar o movimento. A compreensão desses princípios é essencial para a execução eficiente e segura dos fouettés.
Sobre esse assunto, vale à pena assistir ao vídeo abaixo:
Fouettés nos Grandes Balés de Repertório
Além de "O Lago dos Cisnes", outros balés de repertório incorporaram os fouettés como destaque em suas coreografias. Em "Don Quixote", por exemplo, durante o grand pas de deux do casamento, a bailarina apresenta uma série de fouettés na coda, simbolizando a vivacidade e o espírito festivo da personagem Kitri. Da mesma forma, em "Le Corsaire", os fouettés são utilizados para demonstrar a força e a resistência da bailarina principal.
A execução perfeita dos fouettés requer um treinamento rigoroso e específico. É indispensável construir uma base sólida na técnica da dança clássica, com exercícios focados no fortalecimento dos músculos dos membros inferiores, core e tornozelos. Além disso, a prática constante de piruetas e o desenvolvimento da coordenação entre braços e pernas são fundamentais.
A tradição dos fouettés nos balés de repertório transcende a mera exibição técnica; ela representa a dedicação, o esforço e a paixão inerentes à arte do balé. Cada execução bem-sucedida é um tributo à história da dança e às inúmeras bailarinas que, ao longo dos séculos, desafiaram os limites do possível, encantando plateias e perpetuando a magia do balé clássico.