Aplausos e FLORES, por favor!
O pequeno gesto tradicional que enriquece a experiência do palco.
Quando se vive a dança em sua plenitude, entende-se que a magia criada nesse universo vai além do palco. Para grande maioria dos espectadores, o espetáculo é apenas o momento em que as cortinas se abrem e os bailarinos encantam o público com suas técnica e expressividade, mas, quem está imerso no mundo da dança sabe bem o tanto de preparação (física e mental), estudo e entrega são necessários, daí vem a valorização a pequenos gestos e tradições que enriquecem o momento do palco. Um desses gestos, tão singelo quanto simbólico, é a entrega de flores aos artistas ao final do espetáculo.
A tradição de presentear artistas com flores ao final de suas apresentações possui origens que remontam ao século XVIII. Uma das primeiras referências data de 1734, em Londres, quando a bailarina Marie Sallé, após sua performance em "Pigmaleão", foi agraciada pelo público com moedas de ouro embrulhadas como bombons, demonstrando admiração e apreço por sua arte.
No século XIX, era comum que admiradores presenteassem suas bailarinas favoritas com joias e peles.
Na década de 1930, em Londres, a prática de oferecer buquês se consolidou. Os bailarinos, muitas vezes mal remunerados, recebiam flores, alimentos e presentes de fãs como forma de apoio e reconhecimento. A proximidade do Royal Opera House (Londres) com o mercado de flores de Covent Garden pode ter contribuído para o fortalecimento dessa tradição. Além disso, há relatos de que, após uma apresentação de "O Quebra-Nozes" em Londres, um proprietário de teatro, profundamente emocionado, presenteou todos os bailarinos com flores, reforçando ainda mais essa prática.
Saiba mais sobre a tradição de entrega de flores em Londres neste artigo do The New York Times: https://www.nytimes.com/2014/11/23/arts/dance/the-rules-and-hazards-of-presenting-flowers-in-ballet.html
Com o tempo, a entrega de flores tornou-se um gesto simbólico de apreciação e reconhecimento pelo esforço e talento dos artistas, especialmente das bailarinas, ao final de suas apresentações.
Recentemente, durante este período movimentado de espetáculos de escolas de dança, conheci “a moça das flores”: uma empreendedora que, estrategicamente, posiciona seu estande em frente aos teatros para vender arranjos florais, buquês e arranjos. Para ela, esta é uma época de grandes oportunidades — um auge no ano, tanto em volume de vendas quanto em movimento financeiro, assim como no dia das mães e dia dos namorados.
Conversamos e ela me contou como esse trabalho tem impactado positivamente sua vida. “Os espetáculos movimentam o mercado de flores”, disse ela. Essa conversa me fez refletir sobre como a arte é capaz de criar pontes e movimentar a economia de maneiras muitas vezes “invisíveis”. Quando pensamos em dança, normalmente imaginamos o suor dos ensaios, os figurinos, a luz e a música. Mas existe um verdadeiro ecossistema girando em torno disso. Cada apresentação é também uma oportunidade para outros profissionais — desde quem faz os figurinos, os cenários, até quem vende os ingressos e, claro, as flores.
“A moça das flores” é uma peça dessa engrenagem. Ela transforma um gesto simbólico — o de presentear com flores — em sustento e realização pessoal. As mãos que entregam um buquê a um bailarino no final de um espetáculo são as mesmas que fortalecem uma rede de apoio ao redor da arte. E não é isso que a dança é? Uma rede que nos conecta, nos inspira e nos transforma?
Gostaria de propor um exercício: da próxima vez que for assistir a um espetáculo, lembre-se de olhar ao redor. Note as pessoas que estão ali, nos bastidores ou mesmo do lado de fora do teatro, contribuindo para que aquele momento seja completo. Pense em como a dança não só emociona, mas também cria oportunidades, gera empregos e transforma vidas; e, quem sabe, leve uma flor. Não apenas para celebrar o bailarino no palco, mas também para honrar essa cadeia de pessoas que fazem a arte acontecer. Afinal, cada gesto conta, cada flor conta. E, como “a moça das flores” bem sabe, a beleza da dança está em todos os detalhes — no palco e além dele.
