Por que, no Ballet Clássico, nunca se utiliza música cantada em coreografias?
Em uma arte que valoriza o movimento como narrativa, a música orquestrada é parte essencial.
No Ballet Clássico, a escolha por músicas orquestradas e sem vocais é mais que uma questão estética — é parte fundamental da identidade desse estilo. Datada do período clássico, a dança que foi criada buscava expressar emoções através do movimento e em diálogo com a riqueza instrumental da música sinfônica, sem a interferência de voz/canto/letras.
Desde os primórdios do Ballet, vemos músicas clássicas criadas especialmente para acompanhar a dança e enfatizar os gestos e emoções da proposta coreográfica. No século XVII, a colaboração entre o compositor Lully e o coreógrafo Louis XIV pavimentou o caminho para a forte e tradicional união entre música e movimento no Ballet. Esse legado foi enriquecido com as obras dos compositores que se seguiram, como Tchaikovsky, que, no século XIX, transformou as trilhas sonoras de obras como O Lago dos Cisnes e A Bela Adormecida em pilares da expressão clássica. É possível perceber cada nota musical se fundir ao movimento do corpo dos bailarinos.
A ausência de letra permite que o corpo do bailarino seja a voz da narrativa, uma escolha que preserva a essência do balé clássico e valoriza o movimento. A música orquestrada oferece uma tela em branco, sem imposição de palavras, permitindo que o bailarino explore emoções e histórias abertas à interpretação do público. Esse tipo de música reforça o princípio estético do balé clássico, criando uma abstração que transforma a performance em uma experiência universal e simbólica, evitando o excesso de literalidade e mantendo o foco na expressividade física.
Trago, aqui, 3 vídeos da minha série “Analisando Grandes Obras", nos quais falo da relação entre a música e a coreografia. Vale ressaltar que "Giselle" e "A Bela Adormecida" são obras do século XIX enquanto “Chamas de Paris” é do séc. XX,o que não impede que haja a coerência do estilo clássico na composição musical e coreográfica.
Quando utilizamos músicas cantadas em coreografias ditas de Ballet Clássico, corremos o risco de descaracterizar o estilo. É importante ressaltar que o estilo de dança “Ballet Clássico" não se caracteriza apenas pelos passos e técnica, mas sim enquanto uma soma de elementos integrados, como, por exemplo, o figurino, a narrativa e música clássica instrumental. Cada um desses componentes reforça a conexão com a história e os princípios do Classicismo e Neoclassicismo, que pregavam simplicidade, equilíbrio e clareza.
No estilo neoclássico, mesmo com uma maior liberdade de movimento conquistada, a música cantada permanece ausente. Embora o neoclássico introduza inovações e desconstruções sutis da dança clássica, ele também se apoia na força da música instrumental para deixar a dança contar a história. A distinção entre balé clássico e neoclássico é essencial para respeitar a integridade de ambos os estilos e valorizar sua construção histórica, evitando que interpretações modernas descaracterizem o que cada um representa.
A tradição de manter a música orquestrada diferencia o Ballet clássico das vertentes contemporâneas de dança nas quais o uso de letras já é mais comum. No entanto, a continuidade dessa prática no balé clássico é fundamental para preservar a herança da arte e respeitar sua natureza. Essa preservação musical faz parte de um compromisso com a HERANÇA DO BALLET. Abraçar a música orquestrada não é apenas uma questão de tradição, mas de garantir que a dança continue a ser uma forma de arte que transcende palavras e evoca emoções através do gesto. A voz no balé clássico vem dos corpos em movimento e da história contada pelo conjunto de música e dança, não por palavras.
Ao optar pela música instrumental, reafirmamos o valor da tradição e contribuímos para a continuidade de uma forma de expressão que une gerações de bailarinos e espectadores em uma experiência estética e emocional única. A tradição musical no balé clássico é um elo entre o passado e o presente, preservando os princípios e renovando as emoções provocadas por essa arte.
Quer entender um pouco mais sobre a relação da música com o Ballet? Conheça meu livro “Ballet: rítmica e movimento”.